À primeira vista, parece apenas mais uma floresta no Oeste catarinense. Mas, entre araucárias, imbuías, canelas e guamirins, um olhar mais atento revela um cultivo valioso e ancestral: a erva-mate sombreada. No município de Ponte Serrada, Eurico Rocha conduz uma agrofloresta de 12 hectares onde a tradição iniciada por seu avô segue viva, adaptada ao presente. Em meio à mata nativa, a produção é feita sem agrotóxicos, com adubação orgânica e manejo sustentável, unindo conservação e produtividade.
Além da área produtiva, Eurico mantém uma reserva com plantas nativas de erva-mate que não são colhidas – um verdadeiro banco de sementes vivas. Esse cuidado com o equilíbrio ambiental traz benefícios diretos: "Nunca tive problemas com pragas ou doenças, e acredito que é por conta da preservação", afirma. A cada dois anos e meio, é feita a colheita, com produtividades que chegam a 15 toneladas por hectare nas áreas mais densas. Mas, para ele, o maior ganho é olhar ao redor e ver tudo verde. “Precisamos de mais agroflorestas”, defende o produtor, que também trabalha com apicultura e planeja criar uma reserva de proteção permanente.
Esse modelo agroflorestal não é isolado. Santa Catarina possui mais de 16 mil hectares dedicados ao cultivo de erva-mate, especialmente em sistemas sombreados que preservam a vegetação nativa. Em 2023, o estado produziu cerca de 130 mil toneladas, movimentando R$ 176 milhões. A planta, símbolo do chimarrão, ganhou espaço em chás, sucos e produtos cosméticos, se consolidando como a principal fonte de renda de milhares de famílias. A agrofloresta garante, além de renda, proteção do solo, da água e da biodiversidade, como destaca o pesquisador Paulo Alfonso Floss, da Epagri.
O grande destaque catarinense vem do Planalto Norte, onde a erva-mate cresce sob araucárias em áreas chamadas caívas – sem uso de agrotóxicos e sem espécies exóticas. Esse sistema resulta em uma erva-mate mais doce, menos amarga e com maior teor de cafeína. Reconhecendo essa singularidade, em 2022, o produto da região recebeu o selo de Indicação Geográfica (IG) na categoria Denominação de Origem, um marco que valoriza o produto, fortalece a economia local e atrai novas oportunidades para o turismo rural.
Por trás desse sucesso está o trabalho técnico e científico da Epagri, que há mais de quatro décadas investe em pesquisas, capacitações e desenvolvimento de tecnologias. A instituição já lançou o primeiro cultivar nacional de erva-mate, o SCSBRS Caa rari, em parceria com a Embrapa Florestas. Hoje, avança na criação de novas variedades adaptadas a diferentes sistemas de cultivo, inclusive a pleno sol, sem perder a qualidade e o sabor. Segundo Floss, o sombreamento continua sendo o caminho mais sustentável, e muitos agricultores têm reconvertido suas áreas para adotar esse modelo.
Em 2024, a Epagri capacitou quase 1.400 agricultores em erva-mate e agroflorestas. Um dos polos mais ativos é o Oeste catarinense, onde Eurico é exemplo vivo de transformação. Com mais de 20 certificados de cursos, ele associa o sucesso de sua propriedade ao aprendizado técnico e à mudança de mentalidade promovida pela assistência. “Esses cursos abriram minha mente. Sou muito grato, porque me tornei um empreendedor. Hoje, além de produtor, também atuo como consultor ambiental”, conta. A história de Eurico mostra que, entre a sombra das árvores e a luz do conhecimento, é possível construir um futuro mais verde e próspero para o campo catarinense.